Biografia

Detentor de uma voz genuína e arreigado às suas raízes lisboetas, é hoje considerado por muitos conhecedores da especialidade como o maior fadista da sua geração, apesar do seu descuido perante a necessidade de uma carreira discográfica.

Corria o ano de 1933, quando no dia 21 de Novembro, nasceu na Rua do Capelão, no coração do Bairro da Mouraria, Fernando da Silva Maurício.

Provinha de uma família centenária daquele bairro. Com apenas oito anos começou a cantar numa taberna da rua onde morava, “O Chico da Severa”, onde também os fadistas se juntavam, após as festas de beneficência onde participavam.

Fernando Maurício lembra com saudade, momentos preciosos dos tempos de infância, em que, de madrugada, fugia de casa dos seus pais e “abria o ferrolho, abria a porta pela surdina e ia para a taberna. Eles (os artistas) iam para ali matar o bicho e de vez em quando tocavam ali um fadinho. Eu tinha uma paixão pela guitarra. Era uma loucura. Punham-me em cima de uma pipa e eu começava para ali a cantar… parecia um papagaio.”

O Fado era o seu bairro. Revelando, desde cedo, os seus dotes para o mundo do espectáculo, foi com apenas treze anos, em 1947, que se sagrou em terceiro lugar no concurso “João Maria dos Anjos”, organizado no Café Latino. Nessa altura, obteve uma autorização a título excepcional da Inspecção de Espectáculos, e pôde assim dar início à sua actividade musical a nível profissional.

Ainda no mesmo ano, a 29 de Junho participa na Marcha Infantil da Mouraria, no papel de Conde de Vimioso ao lado de Clotilde Monteiro como Severa. Por esta altura trabalhava como manufactor de calçado.

Contratado pelo empresário José Miguel, cantou regularmente durante um período de três anos, aos fins-de-semana, nas casas por ele exploradas, nomeadamente Café Latino, o Retiro dos Marialvas, o Vera Cruz e o Casablanca no Parque Mayer. No entanto, quando contava dezassete anos resolveu interromper a actividade, que só retomou em 1954, no Café Luso, no Bairro Alto. Aqui, actuou já profissionalizado, bem como, na Adega Machado e na casa típica O Faia.

Nos anos 60 e 70 foi a vez de outras casas de fado de Lisboa, como a Nau Catrineta, a Kaverna, o Poeta, a Taverna d’El Rey e novamente, o Café Luso. Estas casas conquistaram novos públicos com as actuações de Fernando Maurício que seria apelidado de Rei do Fado. Nos anos 80 começou a actuar na Adega Mesquita.

São vários os fados que Fernando Maurício celebrizou. Entre eles a Igreja de Santo Estêvão, com composição de Gabriel Oliveira e Joaquim Campos.Fernando Maurício cantou em programas de fados na Emissora Nacional e participou nos primeiros programas da RTP experimental, bem como no terceiro a ser transmitido.

Preferia cantar em festas de beneficência e solidariedade, por todo o país, não se preocupando muito com uma carreira discográfica. Apesar de tudo, gravou discos, dos quais se contam, para além dos fados com Francisco Martinho e da participação em várias colectâneas de fados: De Corpo e Alma sou Fadista, 1984; Fernando Maurício, Tantos Fados deu-me a Vida, 1995, Fernando Maurício, Os 21 Fados do Rei, 1997; Fernando Maurício, col. O Melhor dos Melhores, 1997; Fernando Maurício, Clássicos da Renascença, 2000.

Participou em inúmeros espectáculos no estrangeiro, nomeadamente no Luxemburgo, Holanda, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.

Continuou sempre ligado ao bairro da Mouraria, ao Grupo Desportivo da Mouraria, a que sempre esteve ligado bem como, à marcha do bairro, aos seus amigos de juventude, aos jogos de futebol, da Laranjinha, às cantorias e aos bailaricos, que recorda com saudade: “Havia uma padaria na Rua do Capelão onde eu nasci e nós naquela altura –nos anos 40– dormíamos todos na rua. De manhã levantávamo-nos e íamos lavar a cara ao Chafariz da Guia. Eram muitos amigos que eu tinha. Tínhamos uma equipa de futebol e jogávamos à bola na Rua do Capelão. Entre o Capelão e a Guia. Jogávamos descalços. Nessa padaria havia cestos de verga com pão quentinho, acabadinho de sair do forno. De madrugada, enquanto o padeiro trabalhava, encostávamo-nos à porta e tirávamos uns pães. Era uma época muito má. Corriam os tempos da guerra. Nós éramos 5 irmãos, depois nasceram os dois mais novos. A minha mãe era do Bonfim, do Porto. Lavava roupa para ajudar em casa”.

Foi ainda dessas memórias com um desses amigos, o poeta Mário Raínho, que saiu um dos seus fados preferidos, “O irmão da Juventude”. Recebeu ao longo da sua vida vários prémios, dos quais se contam: Prémio da Imprensa (1969) e os Prémios Prestígio e de Carreira da Casa da Imprensa (1985/1986). Em Maio de 2001, no Coliseu, foi agraciado pelo Presidente da República, com a Comenda da Ordem de Mérito.

Era avesso a homenagens mas em 1989, Amália descerrou na rua onde nasceu duas lápides evocativas das vozes do fado emblemáticas deste bairro: Maria Severa Onofriana e Fernando da Silva Maurício. A Câmara Municipal de Lisboa assinalou em 1994 as suas bodas de ouro artísticas no S. Luiz. E em 2001 de novo o homenageou nos Paços do Concelho quando publicou, com a colaboração da então EBAHL (actual EGEAC) e da Casa do Fado e da Guitarra Portuguesa, a sua biografia pessoal e artística.

Faleceu a 15 de Julho de 2003 em Lisboa. O coração da fadista que chora, canta e sofre parou, mas os seus fados continuam a ser ouvidos nos bairros típicos de Lisboa.

A Câmara Municipal de Lisboa presta-lhe mais uma homenagem ao atribuir o seu nome a uma rua de Lisboa, na freguesia de Marvila. Desta vez os seus caminhos vão-se cruzar com Fernando Farinha e Armadinho, outras duas vozes do fado que, aqui perto, ficam recordados na toponímia de Lisboa.

In Wikipédia


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